quarta-feira, 19 de março de 2008

Ópio

Acorde, amor. A vida vem amanhecendo lá fora. Não importa a estação, hoje eu decretei a primavera.
Vamos, meu bem, vamos! Vamos ver o mar. O sal vai nos provar que a vida é doce. Hoje eu vou acreditar, ela é doce. Sei que vou. Estou feito criança: pronta para acreditar na vida. Cheia de esperança. Cheia de rimas, de sinestesias, de cores. Estou livre. Sem marcas, sem rugas, sem fronteiras.
Dê-me a mão. Sairemos de mãos dadas pelo mundo. Ele é enorme, mas não teremos medo. Mesmo quando logo na esquina encontrarmos a fome, não teremos medo. Você dirá que ela é fraca. E quando eu lhe falar a doença, você falará a cura. Se eu lhe perguntar sobre o verde, você prometerá reflorestar o mundo. Quando eu questionar o amor, você jurará que ele existe. Pensarei na morte, e com lágrimas nos olhos você dirá: Deus.
E eu vou crer. Eu preciso crer em Deus. Em você. Em meus pais. Em mim.
Onde estão os messias? Os velhos sábios? Onde está quem pode me provar que a vida é doce? Onde está você, meu bem?
(A primavera tem aroma de dúvida.)
Quem é você que dorme em minha cama, mas não vejo? Quem é você a quem chamo carinhosamente mas nao conheço? Você é eu? Você é Deus? Eu é Deus?
Preciso que me dê respostas. Que me convença de que não sou tola. De que a poesia não é vã. De que eu sou o que escrevo. Preciso que me incentive: grite. Grite, a revolução ainda existe!
Não vê, amor? Estou feito velho: precisando acreditar na vida. Ofereça-me uma bengala, um colo, um terço. Um ópio. Provarei a Marx que ele estava errado.
Tenho tantas coisas para escrever. Mas vou parar por aqui. Vou esperar você acordar. Vou esperar por você. Mesmo sem saber quem é, mesmo sem saber se virá... Vou esperar. Talvez eu me arrependa, mas só sei caminhar de mãos dadas.
Talvez eu me arrependa: a vida está a pino, meu bem.

v