Acho que já passam das três da manhã. Não consigo dormir. Alguma coisa aqui dentro... Uma dor, uma angústia – sei lá.
Lembrei de quando eu era pequena, reclamando do dente e você me distraía com o balançar de seus braços. Depois, quando o problema era o escuro, você se apertava para eu deitar ao seu lado. Então, quando a cama já não mais cabia e eu, chorando lhe trazia os primeiros pedaços do meu coração, você sentava comigo e alisando meus cabelos me explicava o amor.
Hoje, mãe, não tem nome o meu sofrimento. É um cansaço inexpurgável: tenho rugas na alma. Você quase não imagina quanto agora me custa subir os músculos da face e – sorrir. Eu, eu já não choro quando vejo o mar, já não escuto Vinícius, não canto, não danço.
Onde está aquela sua pequena que entrava correndo na sala, repleta de cores? Aquela menina de caracóis bagunçados, pedindo em seus olhos: vida, por favor. Para onde foi a felicidade gratuita das crianças? Aquela distração com tão pouco, meu Deus. Aquele riso gostoso como se a solução para o mundo fosse, inesperadamente, ganhar um pirulito azul.
Diante do cinza eu mal tenho ânimo para me indignar com a mentira na qual todos se encerram. Você mesma insistia em dizer que seus olhos fundos eram frutos da dureza do dia. E assim cada um segue os seus anos arranjando um motivo qualquer para esconder a verdade que parecerá nos ruir. Pois para mim pouco importa se agora o que eu digo destruirá as ilusões que as pessoas proletariamente andam a construir.
Não é a dureza do dia, não são as contas a pagar, não é o amor mal correspondido, não é a gripe que teima em ficar. Não é nada disso o motivo para os olhos fundos do mundo. Eis, com palavras simples, a verdade que tanto insistem em mascarar: viver dói.
A trilha sonora que embala minhas madrugadas insones é a mesma trilha que escolho para essas palavras opacas. É aquele choro vermelho estridente angustiante de quem acaba de rasgar o útero. O choro que confirma a vida. O choro que é a nossa primeira fala, é o nosso primeiro verbo, é a nossa primeira reação diante de tudo. O choro que a maternidade deforma em alegria, mas que é a mais pura manifestação da Dor.
A vida é esse choro que nunca cessa. E no início culpamos o dente, depois culpamos o escuro, depois culpamos o amor. Para finalmente, descobrir que não há o que culpar: viver dói.
Acho que já passam das quatro da manhã. E apesar das palavras cinza, ainda tenho a esperança de abrir a janela e encontrar um sol amarelo colorindo o céu. Então voltar para cama cansada, deitar já quase adormecendo e ouvir a voz dos seus olhos fundos: dorme, pequena, dorme que a dor passa...
v
Lembrei de quando eu era pequena, reclamando do dente e você me distraía com o balançar de seus braços. Depois, quando o problema era o escuro, você se apertava para eu deitar ao seu lado. Então, quando a cama já não mais cabia e eu, chorando lhe trazia os primeiros pedaços do meu coração, você sentava comigo e alisando meus cabelos me explicava o amor.
Hoje, mãe, não tem nome o meu sofrimento. É um cansaço inexpurgável: tenho rugas na alma. Você quase não imagina quanto agora me custa subir os músculos da face e – sorrir. Eu, eu já não choro quando vejo o mar, já não escuto Vinícius, não canto, não danço.
Onde está aquela sua pequena que entrava correndo na sala, repleta de cores? Aquela menina de caracóis bagunçados, pedindo em seus olhos: vida, por favor. Para onde foi a felicidade gratuita das crianças? Aquela distração com tão pouco, meu Deus. Aquele riso gostoso como se a solução para o mundo fosse, inesperadamente, ganhar um pirulito azul.
Diante do cinza eu mal tenho ânimo para me indignar com a mentira na qual todos se encerram. Você mesma insistia em dizer que seus olhos fundos eram frutos da dureza do dia. E assim cada um segue os seus anos arranjando um motivo qualquer para esconder a verdade que parecerá nos ruir. Pois para mim pouco importa se agora o que eu digo destruirá as ilusões que as pessoas proletariamente andam a construir.
Não é a dureza do dia, não são as contas a pagar, não é o amor mal correspondido, não é a gripe que teima em ficar. Não é nada disso o motivo para os olhos fundos do mundo. Eis, com palavras simples, a verdade que tanto insistem em mascarar: viver dói.
A trilha sonora que embala minhas madrugadas insones é a mesma trilha que escolho para essas palavras opacas. É aquele choro vermelho estridente angustiante de quem acaba de rasgar o útero. O choro que confirma a vida. O choro que é a nossa primeira fala, é o nosso primeiro verbo, é a nossa primeira reação diante de tudo. O choro que a maternidade deforma em alegria, mas que é a mais pura manifestação da Dor.
A vida é esse choro que nunca cessa. E no início culpamos o dente, depois culpamos o escuro, depois culpamos o amor. Para finalmente, descobrir que não há o que culpar: viver dói.
Acho que já passam das quatro da manhã. E apesar das palavras cinza, ainda tenho a esperança de abrir a janela e encontrar um sol amarelo colorindo o céu. Então voltar para cama cansada, deitar já quase adormecendo e ouvir a voz dos seus olhos fundos: dorme, pequena, dorme que a dor passa...
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