Pour quelqu'un, avec une rose
Duas vezes comecei a escrever e duas vezes acabei em lindas metáforas. Eram lindas, é verdade, mas cumpro lhe falar (mais) sinceramente. Paciência quanto às metáforas, vão pro baú de rimas perdidas - quem sabe um dia as descubra outra vez. Paciência comigo também, sinto-me cansada e minha prosa anda lenta...
Mas se estivesse agora ao meu lado, não veria em minha face um desânimo sequer. Se você fosse às festas da noite, conversaríamos todas as vezes assuntos enérgicos, pontuados por boas risadas. Ou se caso amanhã quisesse ir à praia, lá me encontraria sem nenhum cansaço. Porque essa não sou eu. Essa que circula entre as pessoas e os lugares, essa que parece feliz enquanto caminha num corredor qualquer, essa das noites e das praias, essa que por aí vive. Essa não sou eu. Vive um heterônimo de mim, um personagem, talhado calmamente para que em seus gestos e falas se apresente como autor. Para que saia todas as manhãs às ruas, volte todas as tardes a casa, durma quando todos dormirem, fale o que todos falarem, para que siga a estrada que todos seguirem.
Porque eu, eu de verdade, eu, eu não sei viver. Eu só sei sonhar. E o mundo não permite sonhadores. Mas o que fazer se não me interessam essas coisas todas da vida? O que fazer se não me afetam as preocupações do homem comum? Enquanto me doem (e como me doem) o outono das árvores. É que o desfolhar diz muito mais da minha alma do que, por exemplo, a vida daquela pessoa que agora passa à calçada. Não tenho culpa, nasci Poeta. E ser Poeta não se trata de assumir por ofício a escrita, mas de uma forma de estar no mundo – sem estar nele de fato. Sei percorrer minhas sensações com incrível destreza, sei falar da alma com espantadora intimidade; mas não sei fazer, senão à custa de muito esforço, o que o homem vulgar faz simples e naturalmente.
Por isso tenho raiva, às vezes, dessa coisa chamada Destino que me pôs na alma a sina da palavra. Porque amar a palavra é ter a aguda sensação de ser sozinho no mundo. É buscar ansioso, ao seu redor, um olhar cúmplice que guarde ao fundo, sempre ao fundo, um sutil desespero: o desespero de existir e saber que se existe. Mas é também descobrir que a outra face dos desesperados é a solidão. É desconstruir sofregamente todas as nossas ilusões, todos os pudores românticos, tudo. É ver-se nu, cru, cheio de marcas. Feridas abertas, pus, excreções da alma. E amar-se assim, repugnante, livre de qualquer exterioridade, porque o externo nunca preenche o vazio de saber-se vivo.
Mas quem ousa libertar sua criança? Admitir que não passamos de vaidades do ego, que somos homens querendo ser Humanidade. Pois minha criança está solta a brincar por aí: sou fraca, pequena e sofro. Sou nada, quero ser tudo, mas continuo sendo nada. Amo, choro, erro e tenho medo. Sou ridícula. E que importa o que sou? Perdoe-me, Gramática, o verbo ser não se completa. Mas, ai de nós, escravos da Língua, eternamente a buscar predicativos frustrantes... Eu sou. Isso basta.
Ademais, tenho sono. Aquele cansaço não passa de um tédio profundo sobre todas as coisas. Sobre as gentes óbvias e suas vidas tranqüilas na inconsciência das sensações, sobre a cidade também óbvia em suas instalações e circuitos, e sobre minha própria obviedade, aqui, a tecer teorias inúteis com palavras provavelmente já ditas. A vida é um mistério indecifrável, Esfinge estúpida.
v
Duas vezes comecei a escrever e duas vezes acabei em lindas metáforas. Eram lindas, é verdade, mas cumpro lhe falar (mais) sinceramente. Paciência quanto às metáforas, vão pro baú de rimas perdidas - quem sabe um dia as descubra outra vez. Paciência comigo também, sinto-me cansada e minha prosa anda lenta...
Mas se estivesse agora ao meu lado, não veria em minha face um desânimo sequer. Se você fosse às festas da noite, conversaríamos todas as vezes assuntos enérgicos, pontuados por boas risadas. Ou se caso amanhã quisesse ir à praia, lá me encontraria sem nenhum cansaço. Porque essa não sou eu. Essa que circula entre as pessoas e os lugares, essa que parece feliz enquanto caminha num corredor qualquer, essa das noites e das praias, essa que por aí vive. Essa não sou eu. Vive um heterônimo de mim, um personagem, talhado calmamente para que em seus gestos e falas se apresente como autor. Para que saia todas as manhãs às ruas, volte todas as tardes a casa, durma quando todos dormirem, fale o que todos falarem, para que siga a estrada que todos seguirem.
Porque eu, eu de verdade, eu, eu não sei viver. Eu só sei sonhar. E o mundo não permite sonhadores. Mas o que fazer se não me interessam essas coisas todas da vida? O que fazer se não me afetam as preocupações do homem comum? Enquanto me doem (e como me doem) o outono das árvores. É que o desfolhar diz muito mais da minha alma do que, por exemplo, a vida daquela pessoa que agora passa à calçada. Não tenho culpa, nasci Poeta. E ser Poeta não se trata de assumir por ofício a escrita, mas de uma forma de estar no mundo – sem estar nele de fato. Sei percorrer minhas sensações com incrível destreza, sei falar da alma com espantadora intimidade; mas não sei fazer, senão à custa de muito esforço, o que o homem vulgar faz simples e naturalmente.
Por isso tenho raiva, às vezes, dessa coisa chamada Destino que me pôs na alma a sina da palavra. Porque amar a palavra é ter a aguda sensação de ser sozinho no mundo. É buscar ansioso, ao seu redor, um olhar cúmplice que guarde ao fundo, sempre ao fundo, um sutil desespero: o desespero de existir e saber que se existe. Mas é também descobrir que a outra face dos desesperados é a solidão. É desconstruir sofregamente todas as nossas ilusões, todos os pudores românticos, tudo. É ver-se nu, cru, cheio de marcas. Feridas abertas, pus, excreções da alma. E amar-se assim, repugnante, livre de qualquer exterioridade, porque o externo nunca preenche o vazio de saber-se vivo.
Mas quem ousa libertar sua criança? Admitir que não passamos de vaidades do ego, que somos homens querendo ser Humanidade. Pois minha criança está solta a brincar por aí: sou fraca, pequena e sofro. Sou nada, quero ser tudo, mas continuo sendo nada. Amo, choro, erro e tenho medo. Sou ridícula. E que importa o que sou? Perdoe-me, Gramática, o verbo ser não se completa. Mas, ai de nós, escravos da Língua, eternamente a buscar predicativos frustrantes... Eu sou. Isso basta.
Ademais, tenho sono. Aquele cansaço não passa de um tédio profundo sobre todas as coisas. Sobre as gentes óbvias e suas vidas tranqüilas na inconsciência das sensações, sobre a cidade também óbvia em suas instalações e circuitos, e sobre minha própria obviedade, aqui, a tecer teorias inúteis com palavras provavelmente já ditas. A vida é um mistério indecifrável, Esfinge estúpida.
v