Sofro de uma enfermidade virulenta que me abarcou a alma. Não há cura. Nem os melhores médicos souberam tratar espécie tão rara. É-me incerta a idade em que padeci, talvez já desde nascida carregue na mente essa sina de enferma. Não é do corpo que sofro. Não são em tumores que se manifestam as minhas chagas. Eu padeço do espírito. Não há vacina para a vida, não há remédios que previnam as dores do viver. Mas não, não são tristes, são alegres os meus versos! É com alegria que hoje choro. Sofrer é condição da existência. E como é delicioso poder dizer aos prantos: eu existo. Ah, eu existo...! Sei que em momentos me desesperei, pedi clemência, recorri aos céus para que tirassem do meu peito essa dor inextinguível. Mostraram-me a mais linda melodia, mostraram-me o céu, o mar, as flores, as cores. Recitaram-me a mais lírica poesia. Mas não há cura. Não há como tirar de mim esse melancólico tom cinzento. Levo nos ombros as agruras de algo maior, profundo e absolutamente inexplicável. Foi preciso me entregar ao sofrimento por inteira, para entender que ele faz parte de mim. Sofri, chorei, cai em qualquer lugar do chão e lá permaneci durante horas. Soluçando, encolhida como uma criança, uma órfã que não tem a quem pedir colo, que se vê no mundo sem algum lugar para ir ou para voltar. Chorei, chorei, chorei... E adormeci sem entender por que ou o que dói tanto. Acordei, reparei-me no espelho e me vi igualzinha ao que sempre fui. Exceto meus olhos. Eles tinham qualquer coisa de velhos, de sábios. Então entendi: estava, finalmente, em comunhão com a dor. Não há cura. Ela faz parte de mim. Hoje colho flores, sinto as melodias, festejo o mar, aprecio os versos. E naqueles dias de inverno demoro-me fitando o céu, distinguindo no cinza os mais tênues tons da aurora. Porque os meus olhos... Os meus olhos ainda têm qualquer coisa de velhos.
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