terça-feira, 30 de outubro de 2012

Você tem razão


Você tem razão em me negar. Em fugir, fechar o vidro do carro para esta pedinte. Você tem razão: estou a pedir, a clamar, a implorar, a insistir - um pouquinho, só um pouquinho de amor, que você queira tirar rapidamente da carteira e jogar pela fresta do vidro enquanto o sinal ainda abre. Uma esmola, um pedaço de carinho, um olhar amassado, o final de um sorriso, o que sobrou de um abraço... Qualquer coisa assim, enquanto puxo a barra de sua calça e lhe obrigo a me ver, com a alma exposta, suja e cheia de feridas. 

Você tem razão em recuar assustado, sumir de repente, sem saber ao certo porquê se afasta, mas atendendo a isso que lhe chama a me deixar. Você tem razão em não me acompanhar, porque meu buraco me engole - e lhe engoliria também. Eu peço apenas porque aprendi que viver é pedir e não receber. E então eu continuo pelas esquinas, mendiga da alma, a invadir os espaços, a desejar que me levem. Sempre atrás do que nunca me dão, porque simplesmente não me podem dar o quero. Quero um olhar que me pegue ao colo e, me vendo, possa me salvar do abandono. Mas começo a compreender que ninguém no mundo tem esses olhos: estou abandonada em mim mesma. Eu - sou órfã de mim. 

E nada me resta senão continuar a pedir. Pedir, pedir, e me sentir tantas vezes invisível, tantas vezes humilhada, que esgotada, enfim, eu desista da salvação. E assim, quem sabe, talvez eu me encontre por aí, maltrapilha, pequenina, e com frio... E aí, quem sabe, eu me encante por essa menina, e me pegue no colo e possa, finalmente, me entregar a mim mesma; cheia de feridas, mas exigindo viver - e inteira.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Descobrimento


Sinto-me sozinha.
 Sem tristeza ou mágoa
apenas sozinha.

Talvez, quem sabe,
minha solidão guarde um espanto
como o daquele morador
que no levantar do sol,
todos os dias,
rega sua planta à janela e
toma seu café à mesa.

Pela manhã, cuida da casa
Ao meio dia, das comidas
À tarde tira um cochilo,
à noite termina suas tarefas
e, quando é tempo de ir à cidade,
está cansado e já tem sono 
outra vez.

Mas, em um dia qualquer,
exatamente quando o amarelo
começa a se diluir no azul da noite,
vê-se livre de tarefas
e sem sono.

Então se lembra
de quantas vezes pensou em ir à cidade,
mas adormeceu cansado no sofá...

Arruma-se todo e
finalmente
atravessa a porta de sua casa.

Mas, ora vejam,
não passa ninguém às ruas,
não há ninguém nos edifícios e nas lojas,
não há trânsito,
 não há barulho,
os cachorros sumiram e os pássaros também se foram.

Não há nada
nem nunca houve:
ele é o único morador de um país imenso.  

v
Março, 2010