quarta-feira, 1 de julho de 2015

Poema de maré e seca

Tudo quieto
e seco:
não chove
em meu coração.

Parece pacífico
porque não há sangue
mas não sangra porque
nada escorre:
em peito agreste,
lágrima não pinga -
vira poeira.

Coração caatinga
castigado
tem sede.

Boca quer gritar
pedir ajuda
mas saliva sem água
é cimento
que a mantém
cerrada.

Coração em crosta
de açude enrugado
espera vazio
cair a seiva em suas
veias abertas,
mas céu nada oferece
senão fogo
dissipado no ar.

Coração febril
lateja
sob o sol em brasa
de sua terra despovoada.

Sozinho,
aprende que viver é
resistir.

E morto, mudo, magro
sobrevive.

Coração deserto
é flor sem viço de um jardim
de ossos.
A única fonte que o umedece
é a fé nos versos
do profeta:

O ser tão vai vir amar
e amar
virá a ser tão.

v


sábado, 20 de junho de 2015

Pode entrar (Pequena crônica noturna)



Numa madrugada chuvosa, fui à cozinha preparar um chá para esquentar os sonhos... e reparei que havia esquecido a janela aberta. Me aproximei para fechá-la, mas um movimento nas plantinhas que povoam sua beirada me assustou. Fui surpreendida pela presença de um bicho  visita tão rara na concreta altura dos apartamentos. 
Era uma borboleta, que parecia respirar assustada. Meu reflexo urbano foi o de colocá-la para fora, mas, de repente, notei a chuva, me dando conta de que ela procurava um abrigo. Então, senti que não poderia espantá-la: noites de frio são noites de solidariedade; e resolvi deixar a pequena voadora no acolher das minhas plantas.
Quando o susto passou, me flagrei orgulhosa, como se a natureza tivesse intuído que, entre tantas janelas, a minha casa é um lugar seguro para se abrigar.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Pequeno pedido pra você me levar

Como eu vou voltar
pra casa e refazer
sozinha
os caminhos que a gente fez
de mãos dadas?

v