domingo, 25 de novembro de 2012

Pensei em lhe deixar um poema
embaixo do jarro de flores;
Grudar uma canção de Bethânia
na porta da geladeira
– como que avisando:
meu avião partiu às onze
e algo ficou a ser dito.

Mas resolvi sair sem rastros,
porque no último minuto
entendi que, entre nós dois,
a palavra vela
e o silêncio revela. 

A palavra é o que queremos ser
e o silêncio
é o que humildemente
podemos ser. 

E, hoje, o que podemos
é isso:
um amor
que já foi.

Mas no tempo que estive a sua porta eu cheguei a lhe amar


Eu vinha caminhando
de um lugar
que não lembro bem.

Vinha caminhando e avistei
sua casa.

Pensei em apenas lhe saudar
com um sorriso
e continuar seguindo...
Porque eu nasci para caminhar.

Mas sua casa tinha paredes
da mesma cor
que as minhas teriam
se eu tivesse um casa.

E resolvi parar.

Bati três vezes à porta:
três vezes lhe chamei
e três vezes esperei.

Talvez, em uma quarta batida, você
acordasse do cochilo e
viesse
me receber na varanda.

Mas na quarta batida eu
começaria a acreditar que sempre
caminhei para lhe conhecer.

E eu,
eu nasci para
simplesmente
caminhar.

Por isso, tornei à estrada
e continuei andando.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Você tem razão


Você tem razão em me negar. Em fugir, fechar o vidro do carro para esta pedinte. Você tem razão: estou a pedir, a clamar, a implorar, a insistir - um pouquinho, só um pouquinho de amor, que você queira tirar rapidamente da carteira e jogar pela fresta do vidro enquanto o sinal ainda abre. Uma esmola, um pedaço de carinho, um olhar amassado, o final de um sorriso, o que sobrou de um abraço... Qualquer coisa assim, enquanto puxo a barra de sua calça e lhe obrigo a me ver, com a alma exposta, suja e cheia de feridas. 

Você tem razão em recuar assustado, sumir de repente, sem saber ao certo porquê se afasta, mas atendendo a isso que lhe chama a me deixar. Você tem razão em não me acompanhar, porque meu buraco me engole - e lhe engoliria também. Eu peço apenas porque aprendi que viver é pedir e não receber. E então eu continuo pelas esquinas, mendiga da alma, a invadir os espaços, a desejar que me levem. Sempre atrás do que nunca me dão, porque simplesmente não me podem dar o quero. Quero um olhar que me pegue ao colo e, me vendo, possa me salvar do abandono. Mas começo a compreender que ninguém no mundo tem esses olhos: estou abandonada em mim mesma. Eu - sou órfã de mim. 

E nada me resta senão continuar a pedir. Pedir, pedir, e me sentir tantas vezes invisível, tantas vezes humilhada, que esgotada, enfim, eu desista da salvação. E assim, quem sabe, talvez eu me encontre por aí, maltrapilha, pequenina, e com frio... E aí, quem sabe, eu me encante por essa menina, e me pegue no colo e possa, finalmente, me entregar a mim mesma; cheia de feridas, mas exigindo viver - e inteira.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Descobrimento


Sinto-me sozinha.
 Sem tristeza ou mágoa
apenas sozinha.

Talvez, quem sabe,
minha solidão guarde um espanto
como o daquele morador
que no levantar do sol,
todos os dias,
rega sua planta à janela e
toma seu café à mesa.

Pela manhã, cuida da casa
Ao meio dia, das comidas
À tarde tira um cochilo,
à noite termina suas tarefas
e, quando é tempo de ir à cidade,
está cansado e já tem sono 
outra vez.

Mas, em um dia qualquer,
exatamente quando o amarelo
começa a se diluir no azul da noite,
vê-se livre de tarefas
e sem sono.

Então se lembra
de quantas vezes pensou em ir à cidade,
mas adormeceu cansado no sofá...

Arruma-se todo e
finalmente
atravessa a porta de sua casa.

Mas, ora vejam,
não passa ninguém às ruas,
não há ninguém nos edifícios e nas lojas,
não há trânsito,
 não há barulho,
os cachorros sumiram e os pássaros também se foram.

Não há nada
nem nunca houve:
ele é o único morador de um país imenso.  

v
Março, 2010

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Da janela do avião


Eu escreveria um lindo poema
se meus olhos pudessem ver.

Eu escreveria versos
sobre aquelas casinhas de fósforo
tão ao longe...
Mas ficam tontos os meus olhos.

Se os meus olhos pudessem ver,
eu escreveria sobre o mar branco
(de branca dor)
por onde navega este avião.

Escreveria sobre a linha reta
que o homem traça
ensinando geometria aos campos.

Escreveria sobre os olhos de Deus,
mas os meus próprios olhos
não são capazes
de enxergar.

Faria estrofes sobre as cidades
que se expandem
e se espalham,
infinitas.

Escreveria sobre o destino
daqueles carros
que lá embaixo se movem.

E sobre as gentes
que dentro desses carros
sobem e descem as ruas
de suas vidas.

Eu escreveria sobre a loucura
das estrelas
mas não consigo
mirar.

Em tempo, 
já estou em solo outra vez 
e deixo 
o mundo
para um poeta de olhos mais firmes.


domingo, 16 de setembro de 2012

Mais lições para se tornar um poeta

I.

Tenha sempre um lápis à mão...
Para brincar de jogo da velha
enquanto espera a fila do banco.

II.

Nunca revele
com quantos pontos se faz
uma reticência.

(Comece adivinhando porquê não são três.)

III.

Todos os dias,
dê de mamar ao silêncio.

IV.

Desabafe sua dor mais profunda a alguém
que não entende sua língua.

V.

Pegue o livro de palavras eruditas
e ponha
para enfeitar a mesa da sala.


VI.

Um dia na semana
pratique sexo moral
sem abrir a boca.

VII.

Apenas explique um poema
com outro poema.

VIII.

Ame uma formiga.

IX.

Ensine dois princípios
a uma parede,
sob pena de deixá-la de recuperação.

X.

Pelo menos uma vez por mês,
experimente o que é morrer.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Lições para se tornar um poeta

Acorde bem cedo
Escolha um jardim
e observe
como nasce uma borboleta.

Observe a lagarta
o casulo
e as asas.

(Reflita dois minutos
sobre a contradição entre a morte
da planta
e a vida do bicho)

Surpreenda-se com a cor do animal
que era preto e agora
voa.

Depois seja rejeitado
duas vezes
pela mesma pessoa.

Quando já não suportar sua dor,
pegue um papel
e escreva
qualquer coisa
sobre transformação.

Se você
deixou de lado a borboleta,
está quase pronto
para se tornar um poeta.

E a lição de observar o bicho?
Passar o tempo...

v

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pra você

Alguns textos de Caio
Algumas canções de Chico
Algumas versões de Bethânia
e uns versos de Vinícius.

Os que falem sobre o impossível
os que digam da tristeza
e um apenas
sobre o medo
do amor.

Todos
embalados e
deixados na porta de sua casa, pois
parto em viagem
e, na véspera da partida,
já não sei
escrever.

O que eu haveria de dizer
pra você
que me olhou
com olhos de amar
e fugiu?

v

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Bilhetinho pregado na porta da geladeira


Precisei ir trabalhar, mas deixei 
poemas 
espalhados pela casa:

um em cima da estante,
outro na gaveta do armário
e dois guardados na dispensa.

Estendi uns decassílabos 
no varal 
E enrolei versos livres
em seu lençol.

Ah! Não esqueça da rima que ficou 
cozinhando na panela: 
é pro almoço.

E caso eu não chegue até 
às quatro,
tem um soneto (de amor)
escondido
embaixo do tapete.

v

domingo, 3 de junho de 2012


Há um leitor em cada
esquina
À espreita.

É preciso estar atento.

Rapidamente
escondo o poema
dentro da bolsa
e aperto-a contra o corpo.
Observo.

É preciso ter cuidado.

Há um leitor em cada
esquina
À espera.

Sorrateiramente
confiro o poema.
(Ele ainda está
na bolsa)
Alívio.

É preciso não fazer barulho.

Há um leitor em cada
esquina
- e se eu caio em desleixo -
o poema é roubado
e revelado:

versos
que não passam de alguns
rabiscos de criança.

Até que o poema acabe

Estaremos juntos
em juras de amor
corpos entrelaçados
beijos intermináveis.
Juntos
no possível e
no impossível
e na sede insaciável
de sermos
a dois.
Juntos
no desejo incontrolável,
na troca de olhares,
na trama profunda.

Estaremos juntos,
até que o poema acabe...



Acabou.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Canção para despertar



Levantemo-nos, é tempo de despertar. O sol cuidou de cochilar até mais tarde para nos garantir a alvorada: despertemos. Acordemos a mulher que dorme no berço de nossos quadris. Acordemos e marchemos, como lobas, em busca do que nos foi roubado. Lutemos, mulheres, pelo direito de querer. Desejemos o mundo; desejemos mais; desejemos sempre. Fantasiemos! Reivindiquemos o direito de enxergar – com os nossos próprios olhos. E reaprendamos, enfim, a ver com os olhos da alma. Gritemos, mulheres, com os nossos ovários. Façamos ecoar as nossas vozes e as nossas canções. Recuperemos o poema. Recuperemos nossa arte: pintemos, dancemos, escrevamos, teçamos. Falemos de nossas cicatrizes em forma de versos, de nossos milagres em forma de quadros, de nossas conquistas em forma de passos. Voltemos a contar histórias. Povoemos o mundo com os nossos mistérios.  Entremos nas cavernas do Feminino, mergulhemos no profundo, no oculto, no vazio. Não temamos a solidão – que não de passa de medo de nós mesmas. Tomemos posse de nossos corpos, reconquistemos o direito de nos amar pela beleza natural que eles sustentam. Saboreemos a doçura de ser o que se é. Encantemo-nos com as nossas estações e envelheçamos honrando o poder dos ciclos. Permitamo-nos, mulheres, reconhecermo-nos umas nas outras.  Deixemos o sangue escorrer por nossas pernas e manchar nossos pés de vermelho. De mãos dadas, brinquemos de colorir o mundo de carmim. Experimentemos amar sem sacrifício e nos sentirmos amadas sem esforço. Resgatemos nosso passado. Escutemos o Feminino milenar, ancestral, universal, que nos une, nos acolhe e nos dota de língua própria. Sejamos, assim, filhas da terra. Deixemos que o mar lave nossas feridas, que o sol as transforme em cicatrizes, que a lua as manche de sentido. Libertemos a nossa intuição – há tanto tempo condenada à tolice. Convoquemos nossa Andarilha, convoquemos a Grande Mãe, a Velha Sábia, a Guardiã, a Bruxa, a Guerreira. Convoquemos a Mulher, silenciada e proibida,   a Mulher, humilhada e torturada, a Mulher enfraquecida. Demos de mamar para essa em nossos braços, revigoremos sua força  e a abençoemos com o poder sobre si mesma. Avante, mulheres do mundo inteiro!  

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Poemínimo

Hoje encomendo um poema
tão pequenininho
que não diga quase nada:
diga apenas que eu
amo você.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Palavras não mencionadas


Sinto que você põe palavras no gatilho
enquanto a data de nossa conversa não chega.

Sinto que você calcula a mira de minhas feridas já abertas
- para que elas abram ainda mais.

Sinto que você está cronometrando a hora de se levantar
e ir embora e me deixar
com a dor de não ter lágrimas para chorar.

Sinto que você vai mencionar a palavra não mencionada:
adeus.

Sinto que você vai me convencer de que fui eu que insisti
pra ficar.

Sinto que você vai provar que fez esforço
para me mostrar que não era possível.

Sinto que, com isso, você quer destruir minha pureza.

Porque o que eu sou
fere o que você não é.

Sinto que você quer estilhaçar minha humanidade,
roubar minha verdade
condenar minha mulher.

E eu sinto que estou tão frágil
que, talvez, você consiga.

v

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Historinha de meu coração



Todos os dias, muitos passarinhos vinham cantar à minha janela. Pássaros verdes, amarelos, vermelhos, azuis. Mas foi o passarinho da asa quebrada que eu escolhi para ser meu passarinho. Meu passarinho tinha um canto triste – e por isso eu o amava tanto. Meu passarinho, com sua asa quebrada, voava baixinho... Ele não sofria por isso. Mas eu sofria muito. E se meu passarinho tentasse voar alto, caísse e morresse? Passei meus dias tentando consertar aquela asa. Eu  só queria que eu e meu passarinho pudéssemos voar alto, incrivelmente alto. Tentei de tudo. Até que contratei o melhor veterinário e contei de meu passarinho. O veterinário me disse que se algum dia eu explicasse a meu passarinho que ele não podia voar alto, ele pararia de cantar. E se ele parasse de cantar, ele morreria. Fiquei dilacerada. Então era isso, eu e meu passarinho nunca voaríamos alto. Mas nem assim eu desisti de salvá-lo. Continuei tentando soluções. Eu acreditava que, de alguma maneira, com muito esforço, eu e meu passarinho finalmente voaríamos juntos. Acontece que, certo dia, ele me convidou para as alturas e não havia o que fazer: ou ele voava alto e morria ou ele não voava, parava de cantar, e morria. E foi o que aconteceu. Meu passarinho tentou voar, caiu e morreu. Agora, quando os pássaros coloridos vêm cantar à minha janela, eu choro, choro, choro. Não por saudades de meu passarinho, mas porque esses pássaros que aí fora cantam não têm a asa quebrada para que eu possa tentar salvá-los. 

v

*Por 14 de Janeiro